Cuidado ao jogar com um taxista

Entenda as motivações e seja estratégico

Entenda as motivações e seja estratégico

Muita gente tenta ser esperta, se vangloriando pela sua “inteligência”, capacidade de ler cenários e “jogar” com as pessoas. Bem… nem sempre dá certo (ainda bem). Mesmo que você queira levar vantagem, é preciso ser estratégico. E para ser proteger dos aproveitadores, mais ainda.

Dixit e Nalebuff, no livro The art of strategy, apresentam um exemplo bem interessante. Tarde da noite, após uma conferência em Jerusalém, dois economistas (um deles coautor do livro citado) tomaram um táxi e deram o endereço do hotel ao motorista. Reconhecendo-os como turistas norte-americanos, o motorista se recusou a ligar o taxímetro e, em vez disso, proclamou seu amor pelos americanos, prometendo-lhes uma tarifa mais baixa do que a do aparelho.

Naturalmente os passageiros foram um pouco céticos em relação àquela promessa. Afinal, por que um estranho ofereceria cobrar menos do que o taxímetro quando estavam dispostos a pagar a tarifa medida? Como poderiam saber se não seria mais caro? Então eles “colocaram o chapéu” da Teoria dos Jogos. Se tentassem negociar antes e não desse certo, teriam de encontrar outro carro, e táxis eram difíceis de encontrar naquele horário. Mas, se esperassem chegar até ao hotel para negociar, a posição de barganha seria muito mais forte.

Quando chegaram ao hotel, o motorista exigiu 2.500 shekels israelenses (o equivalente a 2,75 dólares). Como saber se era justo? Como as pessoas geralmente barganham em Israel, o americano protestou e ofereceu 2.200 shekels. O motorista ficou indignado. Alegou que seria impossível fazer aquele percurso por aquele montante. Antes que as negociações pudessem continuar, ele trancou todas as portas automaticamente e refez a rota em alta velocidade, ignorando semáforos e pedestres.

Foram sequestrados em Jerusalém? Não. Ele voltou à posição original e, indelicadamente, expulsou-os de seu táxi, gritando: “Vejam agora quão longe os seus 2.200 shekels vão os levar!”. No fim, os estrangeiros encontraram outro táxi, que ligou o taxímetro – e exatamente por 2.200 shekels chegaram ao hotel. Certamente o tempo extra não valeu os 300 shekels.

Por outro lado, a história valeu bem a pena. Ela ilustra os perigos de uma negociação sem o devido entendimento da situação. Geralmente, orgulho e irracionalidade não podem ser ignorados.

Há uma segunda lição para a história. Os americanos não pensaram muito à frente – não foram estratégicos. Imagine quão mais forte a posição de barganha teria sido se tivessem começado a discutir o preço depois de sair do táxi.

Alguns anos depois que essa história foi publicada pela primeira vez (no livro anterior dos autores, Thinking strategically), os autores receberam a seguinte carta:

Prezados professores,

Vocês certamente não sabem meu nome, mas acho que vão se lembrar da minha história. Eu era um estudante clandestino em Jerusalém e atuava como motorista de táxi. Agora eu sou um consultor e, por acaso, li o livro de vocês quando foi traduzido para o hebraico. O que vocês podem achar interessante é que eu também tenho compartilhado aquela história com meus clientes. Sim, foi realmente uma noite em Jerusalém. Quanto ao resto, bem… eu lembro de forma diferente.

Entre as aulas e as noites trabalhando como motorista de táxi, quase não havia tempo para eu passar com a minha noiva. Minha solução foi tê-la comigo no banco da frente durante as corridas. Embora ela tenha ficado em silêncio, foi um grande erro vocês a deixarem fora da história. Meu taxímetro estava quebrado, mas vocês pareciam não acreditar em mim.

Eu já estava cansado demais para discutir. Então nós chegamos, eu pedi 2.500 shekels, um preço justo. Eu estava mesmo esperando uma tarifa de até 3.000. Vocês, americanos ricos, poderiam muito bem pagar 50 centavos de dólar de gorjeta. Eu não conseguia acreditar que vocês tentavam me enganar. A recusa em pagar um preço justo me desonrou na frente da minha noiva. Por mais pobre que eu estivesse, não podia aceitar aquela mísera oferta.

Os americanos pensam que devemos ficar felizes em aceitar essas migalhas. Eu achei que deveria ensinar a vocês uma lição no jogo da vida. Minha noiva e eu estamos casados agora. Ainda rimos dos americanos estúpidos que passaram meia hora andando para lá e para cá procurando táxis para economizar meros vinte centavos.

Atenciosamente,
(Nome omitido)

Verdade seja dita, os autores do livro revelam que nunca receberam tal carta. O objetivo ao criá-la foi ilustrar uma lição fundamental numa negociação: é preciso entender a perspectiva do outro jogador. É preciso considerar o que ele sabe, o que o motiva e até mesmo o que ele pensa sobre você. A regra de ouro “Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você” não é necessariamente válida. Afinal, os gostos são diferentes.

Quando se pensa estrategicamente, é necessário trabalhar duro para entender as perspectivas e as interações de todos os outros jogadores, incluindo aqueles que ficam em silêncio. Isso leva a um último ponto:

Quando pensa que está jogando um jogo, você pode ser apenas parte de um grande jogo. Há sempre um jogo ainda maior.


REFERÊNCIAS:
[1] DIXIT, A. K.; NALEBUFF, A. M.; The art of strategy: a game theorist’s guide to success in business and life. WW Norton Company, 2010.
[2] DIXIT, A. K.; NALEBUFF, B. J. Thinking strategically: the competitive edge in business, politics, and everyday life. WW Norton Company, 1993.