A ciência do pensar: é difícil, mas vale a pena

Quanto mais difícil, mais chances de aprender

Quanto mais difícil, mais chances de aprender

O canal Veritasium, comandado por Derek Muller, publicou nesta semana um vídeo interessante intitulado A Ciência de Pensar. Nele, ele apresenta um ponto fundamental, com base em evidência experimental e conceitos da psicologia cognitiva: quando algo é difícil de entender de imediato, temos mais chance de realmente aprender. Esse desconforto — seja visual, conceitual ou lógico — funciona como um gatilho. Ele obriga o cérebro a sair do modo automático (o sistema 1, rápido e impreciso) e a acionar o sistema 2, que é lento, exigente, mas capaz de raciocinar com profundidade. Em outras palavras, a fricção intelectual não é um obstáculo ao entendimento — é o próprio motor dele.

Essa ideia tem enorme poder explicativo, especialmente quando pensamos sobre como aprendemos, tomamos decisões, ou simplesmente tentamos pensar melhor. É exatamente esse o tema que venho explorando nos meus artigos, cursos e palestras: pensar exige esforço, mas o raciocínio pode ser treinado — se usarmos as ferramentas certas, com o método certo, no ritmo certo. Essa também é a espinha dorsal do meu livro Reasoning Skill, que será lançado no dia 12 de agosto, na Livraria da Travessa do Shopping Iguatemi (todos convidados!). Ali, desenvolvo com mais profundidade esse argumento: não nascemos com clareza mental — ela se conquista.

A seguir um resumo do vídeo.


Pensar, ao contrário do que gostamos de acreditar, não é uma atividade espontânea nem confortável. A maioria de nós prefere evitar o esforço cognitivo sempre que possível. Isso não significa que somos preguiçosos por natureza, mas que nosso cérebro foi moldado para economizar energia. A consequência é que, com frequência, aceitamos intuições rápidas sem questionar, mesmo quando elas nos levam ao erro.

Tome dois exemplos simples. Quando perguntadas quanto tempo a Terra leva para dar uma volta ao redor do Sol, algumas pessoas respondem “um dia”. Em outro caso clássico, diante da seguinte situação — “um taco e uma bola custam juntos 10 reais, e o taco custa 1 real a mais que a bola; quanto custa a bola?” — a resposta quase automática é “10 centavos”. Parece plausível, mas está errada. Se a bola custasse 10 centavos, o taco custaria 1 real e 10 centavos, somando R$ 1,20. A resposta certa é 5 centavos. O problema não está na complexidade da conta, mas no fato de que, ao recebermos perguntas como essas, não paramos para pensar — apenas aceitamos o que soa razoável.

Mas por que fazemos isso? Por que erramos até mesmo em problemas triviais? A explicação está na arquitetura do pensamento: nosso cérebro opera em dois modos distintos, que psicólogos chamam de Sistema 1 e Sistema 2. Mas para que essa distinção não fique abstrata, é útil representá-los como dois personagens mentais. O primeiro se chama Gun, e o segundo, Drew.

Gun é rápido, intuitivo, automático. É ele quem responde primeiro. Sua função é processar de forma relâmpago o enorme volume de estímulos sensoriais que recebemos a todo momento. Gun filtra o irrelevante, foca no essencial, preenche lacunas. Ele lê palavras antes mesmo que você decida ler. Ele vê padrões. Ele age sem pedir autorização. Já Drew é a voz da razão deliberada. Ele pensa com esforço, calcula, segue instruções, corrige erros. Mas Drew é lento e trabalha com pouca memória: só consegue manter quatro ou cinco blocos de informação na cabeça por vez.

Você é Drew. Ou melhor: você se percebe como Drew. É o seu eu consciente. Mas quem domina a maior parte da operação é Gun. Isso não é um problema, é uma adaptação. Automatizar processos poupa energia. Quando você aprende a dirigir ou a tocar piano, é Drew quem se esforça no começo. Com prática deliberada, Gun assume o controle e o gesto se torna fluido. O que chamamos de “memória muscular” é, na verdade, Gun agindo a partir de padrões armazenados na memória de longo prazo.

A chave do aprendizado está nessa transferência: Drew precisa, primeiro, manipular com esforço a informação, até que ela se consolide em blocos familiares, que Gun possa recuperar sem esforço. Isso se chama chunking, ou fragmentação. Um exemplo: tentar memorizar 2‑0‑1‑7 como quatro dígitos isolados é mais difícil do que reconhecer ali “o ano de 2017”. O número de blocos é o mesmo, mas o conteúdo de cada um pode ser expandido se estiver ancorado na experiência. Assim, aprender é construir blocos maiores e mais acessíveis de conhecimento.

Quando Drew está operando, o corpo reage. Pupilas dilatam, a frequência cardíaca aumenta, a sudorese sobe. Um experimento ilustra isso com clareza: os participantes recebem uma sequência de números (como 7‑2‑9‑1), devem memorizá-los e, na batida de um metrônomo, repetir cada dígito somando 1 (ex: 8‑3‑0‑2). A tarefa exige esforço: manter os números, aplicar a regra, obedecer ao ritmo. Resultado: os olhos se dilatam visivelmente, um termômetro involuntário do cansaço cognitivo.

Mas esse estado é raro. A maior parte do tempo, Gun responde sozinho. O cérebro economiza atenção como o corpo evita movimentos desnecessários. Só que essa economia cobra seu preço. Quando nos mudamos para um contexto novo — como um canadense que vai morar na Austrália e descobre que o interruptor de luz funciona “ao contrário” —, os automatismos se tornam obstáculos. Não importa saber que “para baixo” agora significa “ligado”. O hábito antigo ressurge e faz você apagar a luz ao entrar e acender ao sair.

Esse mesmo mecanismo explica por que erramos no problema do taco e da bola. Gun fornece instantaneamente a resposta de 10 centavos, e Drew, sem notar de onde veio, apenas a endossa. Ela soa razoável, e Drew é preguiçoso.

Como fazer Drew trabalhar mais? Um estudo curioso mostra uma pista: quando o mesmo teste do taco e da bola foi apresentado com uma fonte difícil de ler — baixa legibilidade, baixo contraste —, a taxa de erro caiu drasticamente. O motivo é que, quando Gun não consegue resolver de imediato, ele “pede ajuda” a Drew. O desconforto visual gera um desconforto mental que aciona o esforço cognitivo. Confusão, portanto, pode ser pedagógica.

A publicidade já descobriu isso. Um outdoor enigmático, com apenas as letras “UN” em destaque e nenhuma marca explícita, atrai mais atenção do que um anúncio convencional. Gun, acostumado a ignorar propaganda, fica perdido e transfere a tarefa para Drew. Só depois, com pistas sutis (“un explica”, “un desestressa”), descobrimos que a campanha é de seguros. A quebra da expectativa força atenção — e, com isso, melhora a memorização. Em outras palavras: a dificuldade desperta o raciocínio.

Esse raciocínio vale também para a educação. Aulas expositivas lineares, previsíveis, cheias de informações novas, muitas vezes falham justamente por serem excessivamente passivas. Drew não dá conta de processar o fluxo. Gun se entedia. A resposta institucional tem sido substituir palestras por workshops, metodologias ativas, instrução entre pares. É mais trabalhoso para o aluno, sim — mas é aí que o aprendizado acontece. O problema é que, assim como é difícil convencer alguém a sair do sofá para se exercitar, também é difícil motivar alguém a pensar com esforço. É sempre mais tentador assistir a vídeos que dão a sensação de entender, sem exigir real compreensão.

Aprender de verdade exige desconforto. Exige desacelerar, lutar contra a confusão, não se deixar enganar pela sensação de familiaridade. Exige parar, pensar, refazer, errar, repetir. Gun quer atalhos. Drew resiste. O crescimento está em disciplinar esse conflito.

Pensar não é algo que fazemos automaticamente. Pensar é algo que fazemos apesar de nosso cérebro tentar nos impedir. Mas é exatamente aí, nesse desconforto, que a aprendizagem se instala.


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