A gentileza não é sobre as máquinas, é sobre você.
O ChatGPT lançou uma nova funcionalidade que permite aos usuários criar e disponibilizar ao público suas próprias versões do GPT, adaptadas a usos específicos. Recentemente, enquanto usava um GPT focado em “criação de prompts”, encontrei o chamado “26 princípios de um bom prompt”. O princípio número 1 me pareceu bastante controverso, e dizia literalmente:
PRINCÍPIO 1: ”Não seja educado com modelos de linguagem grandes (LLM). Não há necessidade de usar frases como ‘por favor’, ‘se você não se importa’, ‘obrigado’, etc. Seja direto.”
Esse princípio despertou minha atenção, merecendo uma análise mais aprofundada sobre suas implicações tanto no mundo digital quanto no real.
O princípio sugere uma comunicação direta e pragmática com a máquina. Provavelmente há dois motivos principais para isso. Primeiro, o algoritmo ignora palavras como “por favor” e “obrigado” ao interpretar o conteúdo e processar o contexto necessário. Muitas críticas já foram feitas às pessoas que usam essas expressões em buscas no Google, um sistema de busca que nem mesmo é um modelo de linguagem. Segundo, embora o ChatGPT emule uma conversa humana, ele é, no fim das contas, um computador, desprovido de emoções, e não programado para “se ofender ou retaliar” caso a conversa seja direta.
Entretanto, sugiro três razões pelas quais podemos ser gentis com a máquina.
(1) Primeiro, somos educados devido apenas os sentimentos “da outra pessoa”? Bem, ser gentil também é sobre nós mesmos; sentimo-nos bem ao agir assim. A comunicação humana é complexa e vai além do mero intercâmbio de informações; a linguagem também serve para expressar respeito, empatia e cultura. Assim, como nas comunicações digitais não existe a importante linguagem não-verbal, então usamos emojis e as expressões de gentileza como “obrigado”, “você poderia”, “que tal” como forma de transmitir os princípios básicos de boa conduta. Ou seja, embora a natureza robótica do GPT priorize o conteúdo central, a gentileza tem um valor intrínseco para quem a transmite.
(2) Em segundo lugar, praticar a gentileza na comunicação com máquina pode ser um treino para manter os padrões de cortesia nas relações interpessoais. Podemos manter o hábito de nos expressarmos educadamente, mesmo em contextos onde isso não é “tecnicamente” necessário. Se todos adotassem essa prática, poderíamos influenciar positivamente o comportamento social. Atualmente, o ChatGPT é programado para não reagir a ofensas e para orientar os usuários quanto às boas maneiras, mas não sei se suas respostas variam conforme a presença ou ausência de palavras gentis, o que seria mais sutil. Talvez seja exagero esperar que o ChatGPT forneça informações mais ou menos completas dependendo da inclusão ou não da palavra “por favor” na frase “quem descobriu o Brasil”.
(3) Terceiro, curiosamente, o próprio GPT, sem instruções específicas, responde de maneira gentil e educada, refletindo um esforço para humanizar a máquina. Isso não é coincidência, mas uma escolha dos programadores para melhorar a experiência do usuário. A gentileza nas respostas do GPT mostra como a tecnologia pode ser projetada para espelhar e reforçar valores humanos positivos. Se o próprio ChatGPT é gentil conosco, por que não retribuir? Algum sentimento esquisito ao fazer isso? Alguns podem argumentar que estamos humanizando ou antroporfimizando demais as máquinas, mas às vezes as respostas do Chat são tão boas que eu acabo digitando “obrigado”. Se não faz diferença para a máquina, faz para mim.
Concluindo, este debate sobre a gentileza com modelos de linguagem convida a uma reflexão mais ampla sobre a natureza da comunicação humana. O que está em jogo é mais do que uma simples troca de informações; é sobre como construímos relacionamentos e valores.
Assim, embora para a máquina tanto faça, a gentileza não é sobre ela, é sobre você.