
Quando as peças não se encaixam de outra forma
UMA CRIANÇA RECEBE UM QUEBRA-CABEÇA, mas sem a imagem de referência. Tudo o que ela tem são as peças soltas e a regra básica de qualquer quebra-cabeça: encaixar aquilo que se encaixa. Ela segue essa lógica e, peça por peça, constrói algo que parece uma imagem, mas algo está estranho. Há elementos deslocados, rostos fragmentados, cenários misturados. A imagem que surge é caótica, confusa, mas inegavelmente montada segundo as regras do jogo.
Ela tenta reorganizar, buscando sentido estético. Mas toda vez que tenta mudar, percebe que as peças simplesmente não se encaixam de outra forma. Se o encaixe é o critério de acerto, então o que está diante dela está certo. Mas se o critério for o senso estético, então algo está errado.
Diante disso, surge a dúvida essencial: o erro está na montagem ou no próprio quebra-cabeça? Talvez o fabricante tenha cometido um erro ao imprimir e cortar as peças. Talvez tenha sido intencional, um design moderno que desafia convenções. A criança se pergunta: e se a imagem que eu esperava nunca existiu? E se o mundo não tem um gabarito definido e cada um monta o seu próprio quebra-cabeça com o que tem?
Essa pequena experiência toca uma questão filosófica: como distinguimos o certo do errado? Devemos seguir a lógica do que deve ser (encaixe das peças) ou pelo significado sentimental que emerge (mesmo que nem tudo se encaixe)?
Seguimos regras sociais que nos dizem como as coisas devem se encaixar – na moral, na ética, na ciência, na arte e no sentido da existência. Mas e quando essas regras produzem algo que parece absurdo? Quando a lógica interna contradiz nosso instinto sobre como as coisas deveriam ser? O que deve prevalecer: a lógica ou a intuição, a razão ou o sentimento?
A verdade é que a sociedade nos entrega um quebra-cabeça pronto, dizendo que existe um desenho correto a ser seguido. Devemos estudar, trabalhar, casar, nos encaixar. Mas e se essas peças não formam a imagem que realmente queremos? Seguimos a lógica do que nos ensinaram ou ouvimos o sentimento que nos diz que algo não está certo?
Mas, de repente, a resposta para tudo isso seja o seguinte: nosso erro está em querer encontrar uma única imagem, quando, na realidade, sempre existiram inúmeras possibilidades de viver. A menina conclui que ambos estão certos: a lógica das peças e essa imagem formada. Tá tudo certo. Assim que é.