O problema não é a tecnologia, é a estratégia. Sério, mesmo?

Abandonar esse bordão confortável exige coragem intelectual.

Abandonar esse bordão confortável exige coragem intelectual.

Muito já se escreveu sobre os fracassos de projetos de inteligência artificial, quase sempre com a mesma conclusão: a culpa não está na tecnologia, mas na estratégia. Será mesmo? O argumento parece sofisticado, mas justamente por ser amplo demais se torna irrefutável. E um argumento irrefutável é inútil, porque explica tudo e não distingue nada. É claro que pessoas, processos e governança importam. Mas quando a explicação serve para qualquer caso, ela perde força e apenas desvia a atenção dos limites reais da própria tecnologia.

Essa inversão é perigosa porque quebra a ordem lógica da análise. Antes de falar de estratégia, é preciso medir a capacidade técnica mínima. Sempre existe um limiar: uma acurácia a ser atingida, um custo a ser respeitado, uma robustez a ser garantida em condições reais. Se esse limiar não é alcançado, nenhuma estratégia — por mais sofisticada que seja — salvará o projeto. O honesto seria reconhecer: a tecnologia, hoje, não está pronta para certos usos. E tudo bem.

O caso dos carros autônomos ilustra bem. Quando a adoção não avançou no ritmo prometido, muitos culparam o ambiente: ruas mal sinalizadas, motoristas imprudentes, pedestres imprevisíveis. Mas esse é o mundo como ele é. A função da tecnologia é lidar justamente com esse cenário. Se ela não consegue, o problema não está na rua, mas na capacidade do carro. Culpar fatores externos é recusar-se a admitir a falta de maturidade técnica. Reconhecer isso não é fracasso, é apenas aceitar o estágio do desenvolvimento.

O mesmo vale para a inteligência artificial generativa. Ela não está pronta para tudo — e nenhuma estratégia perfeita muda esse fato. Em alguns casos, a tecnologia cruza o limiar mínimo e gera valor. Em outros, simplesmente não chega lá. Isso não significa desistir, mas admitir que certos usos ainda pertencem ao campo da pesquisa e não da implantação. O erro está em mascarar essa constatação com discursos sobre governança ou adoção, como se a questão fosse sempre externa à própria capacidade do sistema.

Uma forma madura de lidar com essa realidade é simples: definir critérios antes do experimento, testar em condições reais e aceitar a resposta “ainda não”. Quando a tecnologia cumprir os requisitos, a estratégia terá todo o espaço para mostrar sua força: decidir onde escalar, como integrar, quais incentivos usar. Mas enquanto esse dia não chega, falar de estratégia é apenas uma distração elegante.

Abandonar o bordão confortável “o problema não é a tecnologia, é a estratégia” exige coragem intelectual. Admitir que a tecnologia ainda não está pronta não é derrota; é disciplina, paciência e aprendizado. A estratégia importa, mas a tecnologia também precisa responder por si mesma.


Explore os artigos deste site para conhecer o todo repertório do Obarrica sobre raciocínio crítico, tomadas de decisão e inteligência artificial. Use categorias e busca para navegar.

Conheça minha empresa ReasonHub, uma consultoria especializada em desenvolvimento de lideranças com pensamento estruturado, melhoria de processos com eficiência operacional e uso estratégico da Inteligência Artificial. Atuamos com treinamentoconsultoriatecnologia e jornadas integradas, aplicando nosso método exclusivo Reasoning Skills para transformar gestão em resultado. Saiba mais em www.reasonhub.com.br.

Saiba mais sobre mim aqui.