É só um barco vazio

Cuidado para não estar falando para ninguém

Cuidado para não estar falando para ninguém

Existem principios convertidos em mantras, como frases curtas, que traduzem um significado importante para nortear comportamentos. Marshall Goldsmith, no livro Triggers, apresenta alguns: 

  • “Invista em um pretinho básico”, na moda.
  • “Saiba para onde sopra o vento”, para velejar. 
  • “Meça duas vezes e corte uma vez só”, na marcenaria. 

Entretanto, o que mais gostei das suas frases-princípios foi “É só um barco vazio”, proveniente de uma parábola budista. 

Um jovem fazendeiro estava coberto de suor, enquanto remava seu barco no rio. Ele navegava contra a correnteza para entregar sua produção no vilarejo. Era um dia muito quente, o rapaz queria fazer a entrega e voltar para casa antes do anoitecer. Quando olhou para a frente, percebeu que outra embarcação descia rapidamente a favor da corrente na direção do seu barco. Ele remou furiosamente para sair da frente, mas parecia não haver saída. 

Ele gritou: “Mude de direção! Você vai bater no meu barco!” De nada adiantou. A embarcação atingiu seu barco com um impacto violento. Ele gritou ainda mais alto: “Seu idiota! Como é que você conseguiu atingir meu barco em um rio tão largo?” Quando olhou de perto para o outro barco, procurando o responsável, percebeu que não havia ninguém. Ele estava gritando para um barco vazio, que arrebentou as amarras e estava flutuando sozinho.

Nós nos comportamos dessa maneira quando acreditamos que há outra pessoa no leme. Podemos culpar aquela pessoa estúpida e descuidada por nosso infortúnio. Essa responsabilização do outro permite a nós ficar com raiva, agir, atribuir a culpa ao outro e fazer o papel de vítima.

Por outro lado, nós nos comportamos com mais calma quando aprendemos que ali está um barco vazio. Na falta de um bode expiatório, nós não nos aborrecemos. Ficamos em paz com o fato de que nosso problema foi resultado do destino ou da má sorte. Podemos até conseguir rir do fato absurdo e aleatório de que um barco desgovernado e sem tripulação veio colidir com nossa embarcação em meio a um vasto volume de água.

Moral da história: na maioria das vezes, não há ninguém no outro barco. Estamos sempre gritando para uma embarcação vazia. Nós não somos o alvo do barco vazio nem tampouco de todas aquelas pessoas que provocam as notas desafinadas na trilha sonora de nossos dias. Por exemplo:

O colega que sempre interrompe você nas reuniões. Ele acha que é mais inteligente que todo mundo, não é só com você. É um barco vazio.

Aquele motorista agressivo que perseguiu você por quilômetros hoje a caminho do trabalho? Ele faz isso diariamente em qualquer estrada. É como ele dirige. É um carro vazio.

O gerente do banco que recusou seu formulário de empréstimo para sua pequena empresa por causa de um erro de digitação? Ele só vê um formulário, não você. É um paletó vazio.

A mulher no caixa que se esqueceu de colocar na sacola a pequena lata de anchova para a festa de jantar de hoje à noite e fez você voltar para pegar aquilo que já pagara? Ela não fez isso de propósito. Outro barco vazio.

Pense, portanto, quantos barcos vazios você encontra todo dia.