Os enigmas do amor

Quais são eles e porque são considerados enigmas

Quais são eles e porque são considerados enigmas

Baseado no artigo de How to think differently about love

Espanto e angústia, deleite e desgosto, êxtase e exasperação, raiva e arrebatamento, euforia e tristeza, esperança e desilusão: o amor não é apenas uma emoção. Ele é um turbilhão de experiências em que pensamentos sobre a pessoa amada podem desencadear todo tipo de sentimento, levando alguns à felicidade e outros ao desespero. Para aqueles que estão apaixonados, o amor representa uma onda de emoções extremas e conflitantes. Essas questões são apenas a superfície de um fenômeno mais profundo. De onde vêm esses estados emocionais? Como deveríamos enfrentá-los? E, o mais intrigante, qual é o papel do amor em nossas vidas?

Poetas, filósofos e cientistas têm se debruçado sobre essas perguntas há séculos, frequentemente usando histórias de origem para tentar explicar a essência do amor. Uma dessas histórias é o mito de Aristófanes, presente no Banquete de Platão, que descreve os humanos como criaturas originalmente esféricas, divididas ao meio por Zeus em um ato de punição divina. Desde então, cada pessoa busca sua “outra metade” para se sentir completa. Essa narrativa sugere que o amor é algo singular e exclusivo, fundamentando ideias que ainda moldam nossa visão romântica. 

Contudo, as experiências e contradições do amor revelam quatro enigmas que permanecem sem solução, como a exclusividade, a eternidade, a reciprocidade e as razões que nos levam a amar.

Os enigmas do amor

O primeiro enigma do amor, a exclusividade, questiona por que o amor romântico exige devoção singular. O mito de Aristófanes sugere que cada pessoa tem uma única “metade” destinada a completá-la, alimentando a ideia de que só se pode amar uma pessoa. Essa exclusividade é reforçada pelo ciúme, que muitas vezes acompanha o amor romântico, demandando fidelidade absoluta. No entanto, se considerarmos o amor parental, não existe a mesma expectativa – um pai ou mãe pode amar vários filhos igualmente. Então, por que o amor romântico é diferente? Essa questão expõe a tensão entre as normas culturais e a natureza plural das conexões humanas.

O segundo mistério essencial é o da eternidade do amor. Muitos acreditam que o amor verdadeiro deve ser duradouro, resistindo ao tempo e às adversidades. No início de uma relação, a paixão intensa pode dar a sensação de que o amor será para sempre. No entanto, a experiência mostra que o amor evolui. A neurociência explica que a química cerebral do estágio inicial – marcada por dopamina e oxitocina – é transitória, e a intensidade inicial precisa se transformar em um afeto mais calmo para que o relacionamento perdure. Ainda assim, a ideia de um amor eterno permanece enraizada, gerando frustrações quando a realidade não corresponde a esse ideal.

O terceiro enigma é o da reciprocidade, explorado por meio do problema do amor não correspondido. Se o amor é, como Aristófanes sugere, a busca pela “outra metade”, então ele deveria ser necessariamente mútuo. Mas a experiência do amor não correspondido prova o contrário: é possível amar profundamente alguém que não retribui esse sentimento. A provocante declaração de Johann Wolfgang von Goethe – “Se eu te amo, o que isso tem a ver contigo?” – captura essa tensão lindamente. Essa situação cria um conflito entre a autonomia do amor – que não exige nada em troca – e sua natureza relacional, que anseia por reconhecimento e conexão mútua. Apesar de doloroso, o amor não correspondido também pode ser transformador, enriquecendo o amante de maneiras inesperadas.

Por fim, o quarto enigma das razões para amar questiona por que nos apaixonamos por uma pessoa específica. Com frequência, justificamos o amor com base nas qualidades do ser amado – beleza, inteligência, bondade. No entanto, essas razões são generalizáveis: muitas pessoas podem possuir as mesmas características. Então, por que o amor é tão singular? O filósofo William Yeats lamentava que “somente Deus poderia amar você por você mesmo, e não por seu cabelo dourado“. Esse dilema evidencia que o amor desafia explicações racionais, residindo em uma conexão pessoal que ultrapassa atributos objetivos.

O que a ciência, cultura e história dizem – e onde falham

A ciência, a cultura e a história têm tentado responder a esses enigmas, cada uma oferecendo diferentes interpretações sobre a natureza do amor. Contudo, nenhuma delas foi completamente convincente. Ao examinar as abordagens neurocientífica, evolucionista, social e feminista, percebemos que todas capturam aspectos relevantes, mas falham em resolver os mistérios mais profundos do amor.

Na primeira abordagem, a neurociência descreve o amor romântico como resultado de processos químicos no cérebro. Substâncias como dopamina e oxitocina geram os sentimentos de euforia e apego nas primeiras fases do amor. Entretanto, essa explicação falha em abordar o caráter único e profundamente subjetivo do amor. Por que essas reações químicas ocorrem em relação a uma pessoa específica e não a outra? A neurociência revela os mecanismos, mas não explica a singularidade e a profundidade emocional que definem o amor.

Em segundo, o amor romântico é interpretado como uma adaptação evolutiva, desenvolvida para facilitar a reprodução e a criação conjunta de filhos. Essa visão sugere que a exclusividade e a duração limitada do amor surgem como estratégias para garantir recursos e cuidados aos descendentes. Entretanto, estudos históricos e culturais mostram que o amor romântico frequentemente transcende essas funções biológicas. Sociedades que praticam poligamia ou criam filhos coletivamente questionam a ideia de que o amor deve necessariamente seguir o modelo de exclusividade e fidelidade sugerido pela evolução.

A terceira abordagem do amor como construção social argumenta que nossas ideias sobre amor são moldadas por normas culturais, como os ideais de exclusividade e paixão criados na Idade Média pelos trovadores. Entretanto, embora a cultura de fato influencie nossas concepções de amor, o sentimento parece ser universal. Culturas sem contato com o Ocidente também demonstram formas de amor romântico, indicando que a cultura não é suficiente para explicar sua existência. Assim, o amor pode ser parcialmente uma construção, mas também possui elementos intrínsecos que transcendem normas sociais.

Por último, a crítica feminista ao amor romântico aponta como ele frequentemente reforça papéis de gênero desiguais, incentivando as mulheres a priorizarem relacionamentos sobre suas próprias ambições. Essa visão expõe o potencial do amor de perpetuar desigualdades. Entretanto, nem toda forma de amor romântico segue esse modelo opressor. Relações baseadas na reciprocidade e no respeito mútuo podem desafiar essas desigualdades e transformar o amor em uma força de emancipação e liberdade.

Repensar os enigmas do amor nos ajuda a compreender suas camadas e contradições. Apesar das limitações de cada abordagem, explorá-las abre caminho para conexões mais autênticas e libertadoras, desafiando os roteiros culturais que moldam nossas expectativas. Ao rejeitarmos explicações simplistas, podemos valorizar o amor em sua pluralidade, como uma experiência rica e essencialmente humana.

Baseado no artigo de How to think differently about love, de Arina Pismenny, do site Psyche.