IA e a “utilidade das máquinas”

Devemos usar máquinas para potencializar as habilidades humanas,

Devemos usar máquinas para potencializar as habilidades humanas

Após receberem o Nobel de Economia de 2024, os economistas do MIT, Daron Acemoglu e Simon Johnson, ganharam mais visibilidade em seus estudos sobre novas tecnologias na sociedade, com foco especial na Inteligência Artificial. Eles afirmam enfaticamente que as tecnologias só atingirão seu potencial se forem projetadas para “complementar” as habilidades humanas, em vez de “substituí-las”. Essa distinção é essencial para compreender o impacto do progresso tecnológico.

Um exemplo negativo é o que Acemoglu chamou de “so-so technologies” (“tecnologias mais-ou-menos”). O autoatendimento em lojas, por exemplo, não gerou um avanço significativo de produtividade e ainda criou novos problemas. Esperava-se que esses sistemas reduzissem custos e aumentassem a eficiência operacional, mas, na prática, redes varejistas como Walmart e Target enfrentaram altos índices de furto, necessidade contínua de assistência humana e reclamações de consumidores, que preferem interagir com atendentes. Essa frustração generalizada exemplifica a falta de efetividade dessas tecnologias em gerar valor sustentável.

A IA — especialmente a IA generativa — poderia seguir o mesmo caminho de decepção? Os economistas consideram essa possibilidade, ou até mesmo a veem como provável.

Como evitar esse caminho tortuoso? Eles ressaltam que o verdadeiro avanço ocorre quando a tecnologia transforma processos e cria novas oportunidades criativas. Em revoluções de produtividade passadas, como na Ford, a automação foi fundamental, mas envolveu novos produtos, novas tarefas, novos modos de usar máquinas, um sopro de criatividade. A fábrica da Ford não teria sido revolucionária se apenas reproduzisse os carros de outras empresas com um pouco mais de automação.

Por isso, Acemoglu enfatiza o termo “utilidade das máquinas” em vez de “inteligência das máquinas”. Devemos usar máquinas para potencializar as habilidades humanas, e a IA generativa é promissora por ter essa capacidade. Ela pode, por exemplo, auxiliar na filtragem de informações para decisões mais acertadas. Isso é bem diferente de simplesmente substituir funcionários em tarefas repetitivas ou automatizar quiosques de atendimento no McDonalds.

Para Acemoglu, o impacto da IA no mercado de trabalho será mais limitado do que muitos preveem. Ele estima que apenas cerca de 5% dos empregos têm potencial para serem substituídos pela IA na próxima década. “Muito dinheiro será desperdiçado”, ele afirma, destacando que “não se pode esperar uma revolução econômica a partir desses 5%”.

Para que a IA generativa seja verdadeiramente eficaz no ambiente de trabalho, é essencial adotar uma metodologia colaborativa conhecida como “bottom-up” (“de baixo para cima”). Essa abordagem implica na participação ativa dos trabalhadores, desde a identificação de problemas até a customização das soluções para atender às demandas específicas de suas atividades diárias. Integrar suas experiências e perspectivas não só otimiza o desempenho operacional, mas também facilita a aceitação da IA como uma ferramenta de suporte e não como um substituto.

Um exemplo claro da importância de respeitar as limitações e capacidades da IA é o estudo sobre produtividade com IA generativa realizado em empresas de consultoria. Quando usada em tarefas para as quais foi projetada — a chamada “fronteira de capacidades” — a IA aumentou a produtividade em até 40%. No entanto, em tarefas mais complexas, que exigem julgamentos específicos e capacidade analítica humana, o desempenho caiu em média 19%, pois a IA gerou respostas incorretas. Esse exemplo mostra que precisamos entender onde a IA realmente agrega valor e evitar seu uso como substituto inadequado para o trabalho humano em contextos mais complexos.

Por isso, os autores alertam para o perigo do otimismo exagerado com a tecnologia, ou “techno-optimism,” que assume que qualquer inovação tecnológica resultará naturalmente em benefícios para a sociedade, elevando salários e ampliando oportunidades. Esse otimismo ignora os riscos reais de desigualdade e desemprego gerados pela automação desenfreada. Para Acemoglu e Johnson, o impacto positivo da tecnologia depende de escolhas deliberadas sobre seu uso e implementação, e não de uma confiança cega no avanço técnico como caminho para a prosperidade compartilhada.

A IA e a automação representam uma bifurcação, levando a duas direções opostas para o futuro da tecnologia. De um lado, há o caminho da automação substitutiva, onde a IA é usada para maximizar a eficiência à custa dos trabalhadores, concentrando riqueza e poder em poucas mãos. Do outro, há a possibilidade de adotar um modelo de “utilidade das máquinas”, no qual a tecnologia é desenhada para complementar as habilidades humanas e elevar a produtividade de forma inclusiva, beneficiando amplamente a sociedade. Essa escolha não é inevitável e depende de decisões deliberadas.

Fontes:

https://t.e2ma.net/message/tip5kq/pnudxp5d
https://mit-genai.pubpub.org/pub/obr01l0u/release/1
https://www.bbc.com/worklife/article/20240111-it-hasnt-delivered-the-spectacular-failure-of-self-checkout-technology
https://sloanreview.mit.edu/article/why-the-power-of-technology-rarely-goes-to-the-people
https://mitsloan.mit.edu/press/ai-challenge-only-humans-can-solve
https://mitsloan.mit.edu/ideas-made-to-matter/how-generative-ai-can-boost-highly-skilled-workers-productivity