A IA não vai te liberar para o estratégico

A resposta está nas decisões de gestão.

A resposta está nas decisões de gestão.

SEMPRE QUE UMA NOVA TECNOLOGIA SURGE, aparece a promessa de que, finalmente, sobrará tempo para o estratégico. Tarefas operacionais serão automatizadas, rotinas se tornarão mais leves e, com isso, surgirá espaço para pensar, planejar e decidir com mais profundidade. A história, no entanto, mostra outro enredo.  

O e-mail, quando surgiu, prometia desburocratizar. No entanto, apenas multiplicou as mensagens. O celular traria mobilidade, mas impôs disponibilidade contínua. Softwares de gestão foram vendidos como ferramentas para simplificar, mas acabaram gerando uma avalanche de indicadores e relatórios. 

A automação de processos via RPA seguiu a mesma trilha. Robôs foram programados para executar tarefas repetitivas — alimentar planilhas, copiar dados, preencher sistemas — para oferecer alívio operacional. Mas logo o tempo livre foi preenchido com novas demandas. O que se esperava em dias passou a ser exigido em horas. O trabalho, mais uma vez, acelerou.

Agora, a expectativa se desloca para a inteligência artificial. Ferramentas generativas se multiplicam, oferecendo respostas rápidas, resumos automáticos, produção de conteúdo em minutos. Mais uma vez, aparece o discurso: com a IA, finalmente, haverá tempo para o estratégico. Mas essa narrativa se sustenta sobre duas falhas fundamentais.

A primeira falha está na estrutura dos cargos. Grande parte das posições operacionais não tem, por definição, atribuições estratégicas. Um analista júnior que automatiza um relatório economiza tempo, mas não por isso será incluído em discussões sobre direcionamento de produto ou realocação de recursos. Mesmo analistas plenos, com maior maturidade técnica, costumam ter um escopo restrito. O tempo economizado é, quase sempre, reinvestido na própria produção. O discurso de que a automação libera para o estratégico ignora que nem todas as funções têm esse espaço previsto.

A segunda falha está na gestão. Muitos cargos de liderança foram desenhados para operar acima do nível tático. Ainda assim, é comum ver gerentes imersos em tarefas repetitivas, aprovações rotineiras e acompanhamento manual de processos. Esses desvios não acontecem por ausência de tecnologia. Em boa parte dos casos, já existem sistemas, integrações e fluxos prontos para aliviar esse peso. O que falta é delegação. A dificuldade de soltar o controle, de confiar o operacional à equipe e de preservar tempo para decisões estruturantes acaba transformando a função estratégica em operação disfarçada. O resultado não é falta de recurso, mas ausência de escolha.

Se existe alguma condição para que a automação de fato libere espaço para a estratégia, ela não está no código, no sistema ou na ferramenta. A resposta está nas decisões de gestão. Eliminar tarefas desnecessárias, em vez de apenas acelerá-las. Estabilizar metas, em vez de inflá-las a cada avanço. Redesenhar papéis com clareza de propósito. Treinar líderes a delegar de forma consistente, criando margens reais para pensar e decidir. 

Fora disso, a promessa de tempo estratégico seguirá sendo uma narrativa vazia. A retórica dos fornecedores e palestrantes já não convence mais. Quem vive o cotidiano das organizações sabe que nenhuma tecnologia resolve sozinha aquilo que a gestão se recusa a enfrentar.


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