Ameaças críveis e navios queimados

Quando ter menos opções é mais crível e mais eficiente

Quando ter menos opções é mais crível e mais eficiente

Normalmente nos beneficiamos quando possuímos várias alternativas. Quanto mais opções tivermos, mais benefícios teremos, certo? Nem sempre. A existência de muitas alternativas pode aumentar a dificuldade de fazer ameaças críveis; por isso, muitas vezes, eliminar opções pode aumentar o ganho.

Em Game Theory at Work, James Miller apresenta o seguinte exemplo: imagine que você é um comandante militar medieval que deseja invadir o castelo inimigo. Suas tropas navegaram até chegar à ilha do castelo, e todo mundo sabe que você está determinado a lutar até o fim para que seu exército saia vitorioso. No entanto, a batalha será longa, e você perderá muitos soldados. Desesperado, você reza para que seu inimigo se renda logo e com facilidade. Você pensa: “Se meu inimigo sabe que vai perder a batalha, ele vai se render para evitar mortes”.1

Entretanto, o seu inimigo ouviu falar de sua compaixão. Você não se importa com o bem-estar do adversário, mas se preocupa tremendamente com a vida de seus próprios soldados (talvez por razões egoístas). Ele então corretamente suspeita que, ao se manter combativo por tempo suficiente, você ficará debilitado e enfraquecido com suas perdas e recuará. Embora queira dominar o castelo, você não quer dizimar seu exército para obtê-lo.

Nessa sequência de “eu acho que ele acha”, você imagina que seus oponentes imediatamente se renderão se acreditarem que você vai lutar até o fim. Por isso, se você fizer uma ameaça crível de lutar até a vitória, eles vão desistir e você não terá de arriscar suas tropas. Infelizmente, a simples ameaça de lutar até o fim carece de credibilidade. O que você deve fazer então? Você deve queimar seus próprios navios.

Imagine que seus barcos fossem queimados. Levaria meses para que seus aliados trouxessem novos navios para a ilha para resgatar seu exército. Enquanto isso, você morreria se não conseguisse ocupar o castelo. Perder seus barcos seria obrigá-lo a lutar até a vitória. Mais importante: seu inimigo acreditaria que, com os barcos queimados, você nunca recuaria. A rendição seria a resposta ideal do inimigo para a queima dos barcos. Ao destruir seus navios, você limita suas escolhas. Você não poderá mais desistir da batalha. Eliminar a opção de desistir faz sua ameaça ficar crível e lhe permite obter uma vitória sem derramamento de sangue.

Você acha que esse exemplo é apenas hipotético e sem fundamento? Pelo contrário. Como Don Ross menciona, no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy, foi exatamente o que o conquistador espanhol Hernán Cortés fez ao invadir o México no século XVI, muito antes de a Teoria dos Jogos surgir para mostrar como pensar sistematicamente sobre esse tipo de problema.2

Historiadores contam que Cortés chegou ao continente americano com uma pequena força militar; por outro lado, os astecas eram muito mais numerosos. Assim, o conquistador literalmente queimou os navios e removeu o risco de suas tropas pensarem em desistir. Como a desistência e o recuo ficaram fisicamente impossíveis, os soldados espanhóis não tiveram outra opção a não ser ficar e lutar com muita determinação. Melhor ainda: do ponto de vista do comandante, sua ação teve um efeito desanimador sobre a motivação dos astecas. Ele teve o cuidado de queimar seus navios de forma muito visível, de modo que os astecas pudessem ver. Apesar de seus soldados serem em número bem menor, a ameaça crível de lutar até a morte desmoralizou o inimigo. Dessa forma, os astecas recuaram para as colinas em vez de lutar contra um oponente tão determinado. E assim Cortés teve a vitória sem sangue.

Outros exemplos de sinalizações ou ameaças críveis

Avinash Dixit e Barry Nalebuff chamam esses movimentos estratégicos de “sinalização”. Um jogador pode usar ameaças e promessas para alterar as expectativas dos outros jogadores sobre ações futuras e induzi-los a tomar medidas favoráveis a ele ou impedi-los de fazer movimentos para prejudicá-lo. Para ter sucesso, as ameaças e as promessas têm de ser críveis. Isso é problemático porque, quando chega a hora decisiva, geralmente é muito caro cumprir uma ameaça ou promessa — a tentação de não cumprir é grande, se não tiver consequência. Por isso, é preciso aumentar a credibilidade. Como princípio geral, pode ser vantajoso para um jogador reduzir sua própria liberdade de ação futura. Ao fazer isso, ele remove a própria tentação de renegar uma promessa ou perdoar as transgressões dos outros.3

Outra fonte clássica que mostra essa sequência de raciocínio é a obra Henrique V, de Shakespeare. Durante a Batalha de Azincourt, Henrique V decidiu matar seus prisioneiros franceses bem à vista do inimigo, para a surpresa de seus próprios soldados, que inclusive descreveram a ação como imoral. Henrique V tinha medo de que os prisioneiros pudessem se libertar.

Suas tropas observaram que os prisioneiros foram mortos e perceberam que o inimigo havia visto também. Portanto, os soltados de Henrique V sabiam qual destino os esperaria na mão do inimigo se não vencessem. Metaforicamente, mas de forma muito eficaz, os barcos deles foram queimados. Ao matar os prisioneiros franceses na frente de todo mundo, Henrique V enviou um sinal para os soldados de ambos os lados e assim alterou os incentivos de forma a favorecer as perspectivas inglesas para a vitória.

Don Ross fornece outros exemplos fictícios. Ele propõe alguns exercícios mentais para mostrar o poder da lógica da ameaça crível para induzir determinado comportamento em outra pessoa.

Comprando o seu lote de terra

Suponha que eu gostaria de comprar o seu pedaço de terra, vizinho ao meu, para expandir o meu lote. Infelizmente, você não quer vendê-lo pelo preço que estou disposto a pagar. Então, eu poderia tentar mudar os incentivos: digamos que eu anuncie que vou converter meu terreno em um lixão com um odor pútrido, a não ser que você venda o seu, tentando induzi-lo a diminuir o preço, já que sua terra perderá valor ao lado de um lixão. No entanto, esse movimento não mudará nada, pois prejudicar você também me prejudicará. Uma vez que você sabe isso, deve ignorar minha ameaça. Minha ameaça não é crível; acaba por ser um blefe.

Entretanto, eu poderia fazer a minha ameaça ser crível se eu me comprometesse com algo. Assim, eu poderia, por exemplo, assinar um contrato com alguns fazendeiros, prometendo fornecer-lhes fertilizante (ao tratar o lixo), mas incluindo no contrato uma cláusula de saída, liberando-me da obrigação de vender o fertilizante se eu dobrasse o tamanho do meu lote e o encaminhasse para algum outro uso. Então minha ameaça se tornaria crível, pois eu me amarraria: se você não vendesse para mim, eu estaria comprometido com a construção do lixão. Uma vez que você soubesse disso, teria um incentivo para me vender sua terra e escapar da ruína.

Roubando um antílope

Em outro exemplo, suponha que nós dois desejamos roubar um antílope raro de um parque nacional a fim de vendê-lo. Devo então conduzir o animal para o lugar onde você o aguarda escondido para colocá-lo em um caminhão. Você promete, é claro, esperar e compartilhar o produto comigo. No entanto, sua promessa não é crível. Assim que tiver o antílope, você não terá nenhuma razão para não fugir e embolsar todo o dinheiro. Afinal, eu nem posso reclamar para a polícia sem ser preso também.

Mas agora suponha que eu faça o seguinte: antes da nossa caçada, instalo no caminhão um alarme que só pode ser desligado digitando um código. Só eu sei o código. Se você tentar fugir e dirigir sem mim, o alarme soará, e nós dois seremos pegos. Você, sabendo disso, agora tem um incentivo para esperar por mim. O que é importante notar aqui é que você até prefere que eu instale o alarme, uma vez que isso faz a sua promessa de dar a minha parte ser crível. Se eu não fizer isso, deixando sua promessa sem credibilidade, seremos incapazes de concordar com o crime e perderemos nossa oportunidade de ganhar dinheiro com a venda do troféu. Assim, você se beneficia por eu impedi-lo de fazer o que é tentador para você.

Em resumo, queimar seus próprios navios e diminuir algumas opções para ter ameaças e/ou comprometimentos críveis são ferramentas poderosas para conquistar seus objetivos, seja em competição ou em cooperação. Também é uma boa forma de resolver o Dilema dos Prisioneiros.

Curioso?

Se você gostou do assunto, talvez se interesse por um outro exemplo sobre \”limitar suas próprias ações\” em O “eu hoje” e o “eu futuro”.


REFERÊNCIAS:
[1] MILLER, J. Game theory at work: how to use game theory to outthink and outmaneuer your competition. McGraw-Hill, 2003.
[2] ROSS, D. “Game theory”. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 9 dez. 2014. Disponível em: http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/. Acesso em: 25 out. 2016.
[3] DIXIT, A. K.; NALEBUFF, B. J. “Game theory”. Library of Economics and Liberty. Disponível em: http://www.econlib.org/library/Enc/GameTheory.html. Acesso em: 25 out. 2016.