Quando ser irracional dá certo
Se o seu parceiro ou concorrente não age de forma racional (ou age irracionalmente de propósito), não há muito o que fazer a não ser conhecê-lo melhor para identificar alguns padrões e vieses do comportamento dele. Vejamos o exemplo do paradoxo do chantagista, idealizado por Robert Aumann no artigo “The blackmailer paradox“. É uma variante do Jogo do Ultimato, mas com um tempero mais dramático.
Dois homens, Rubens e Simão, são colocados em uma pequena sala com uma mala cheia de notas, totalizando $ 100 mil. O proprietário da mala anuncia o seguinte: “Eu vou lhes dar todo o dinheiro que está nesta mala com uma condição: vocês dois têm de negociar um acordo sobre como dividi-lo. Só se vocês dois chegarem em um acordo é que eu me prontifico a lhes dar o dinheiro; senão, não darei“.
Rubens é uma pessoa racional e percebe a oportunidade de ouro. Ele se vira para Simão com a sugestão óbvia: “Você pega metade e eu a outra metade, de modo que cada um de nós terá $50 mil”. Para sua surpresa, Simão franze a testa e diz, num tom que não deixa margem para dúvidas:
“Olha aqui, eu não sei quais são os seus planos para o dinheiro, mas eu não pretendo sair desta sala com menos de $90 mil. Se você aceitar, tudo bem. Se não, nós dois podemos ir para casa sem nenhum dinheiro no bolso”.
Rubens mal pode acreditar em seus ouvidos. “O que aconteceu com Simão?”, ele pergunta a si mesmo. “Por que ele tem de ter 90% do dinheiro e eu, apenas 10%?”. Ele decide tentar convencer Simão a aceitar sua proposta. “Vamos ser lógicos”, insiste. “Estamos na mesma situação, nós dois queremos o dinheiro. Vamos dividi-lo de forma igual e nós dois vamos sair no lucro”.
Simão, no entanto, não parece perturbado pela lógica do amigo. Ele escuta com atenção, mas, quando Rubens termina de falar, ele diz, ainda mais enfaticamente do que antes: “90-10 ou nada. Essa é a minha última oferta”. Rubens fica vermelho de raiva. Ele está prestes a dar um soco no nariz de Simão, mas recua. Percebe que Simão não vai ceder e que a única maneira que ele pode deixar o quarto com algum dinheiro é dar a Simão o que ele quer.
Rubens ajeita a roupa, leva $10 mil da mala, aperta a mão de Simão e sai da sala humilhado.
Análise: o que aconteceu aqui?
O paradoxo dessa cena é que Rubens, o racional, é forçado a se comportar irracionalmente a fim de alcançar resultados máximos em face da evolução absurda da situação. O que provoca esse resultado bizarro é o fato de Simão estar tão seguro de si e não vacilar ao fazer seu pedido exorbitante. Apesar de ser ilógica, essa atitude convence Rubens de que ele deve ceder para que possa tirar a melhor vantagem possível daquela situação. O comportamento de Rubens é o resultado do sentimento de que ele deve deixar o quarto com algum dinheiro na mão, não importa quão pequena seja a quantia. Já que Rubens não pode se imaginar saindo da sala de mãos vazias, ele acaba tornando-se presa fácil para Simão.
Analisando friamente, é mais “racional” para Rubens aceitar os $10 mil do que ficar sem nada, e é isso que ele faz dada a posição tão veemente de Simão. Do ponto de vista de Simão, entretanto, é uma estratégia arriscada, pois Rubens poderia também agir irracionalmente e negar, ficando ambos sem nada. Mas parece que Simão é insensível a esse risco e acaba se beneficiando devido a sua irracionalidade (ou ele racionalmente fingiu ser irracional) e da racionalidade de Rubens, que aceitou meros $10 mil.
Curioso?
Se você gostou do assunto, talvez se interesse por entender o Jogo do Ultimato e porque as pessoas preferem justiça e cooperação no lugar do autointeresse racional.