Os cuidados para não confundirmos tudo
Nos debates recentes sobre o futuro do trabalho, surgiu um novo uso para o termo “trabalho híbrido”. Não mais como distinção entre o presencial e o remoto, mas como a combinação de tarefas realizadas por pessoas e por agentes artificiais. Nessa perspectiva, o fluxo de trabalho passa a ser compartilhado entre humanos e “agentes” cada vez mais autônomos. Eles se tornam, de certo modo, companheiros de equipe.
No evento IA & RPA Congress 2025, ouvi um palestrante sugerir que o RH deveria ser acionado para descrever cargos e atribuições dos agentes artificiais, nos mesmos moldes usados para funções humanas. O argumento foi apresentado como um passo natural para empresas que desejam reorganizar seu modelo de trabalho híbrido.
A proposta soa, no mínimo, estranha. Ela revela menos uma necessidade concreta e mais uma confusão conceitual sobre o papel da tecnologia no ambiente corporativo.
A área de Recursos Humanos foi criada para cuidar de pessoas. Isso envolve competências, vínculos empregatícios, desenvolvimento profissional e relações de trabalho. Um robô não compartilha nenhuma dessas características. Embora possa participar do fluxo produtivo, não é um sujeito, não estabelece vínculos, não tem carreira. É uma ferramenta técnica. Por que, então, deveria ser tratado como se fosse uma pessoa?
Vale lembrar que a presença de robôs nas organizações não é recente. Há décadas eles estão presentes. Na indústria, braços mecânicos que pintam veículos ou realizam soldagens substituem tarefas humanas desde o século passado. Em centros de distribuição, robôs transportam mercadorias. Em empresas de serviços, ERPs e fluxos automatizados tomam decisões operacionais.
Esses sistemas nunca foram tratados como colegas ou membros da força de trabalho. Sempre foram compreendidos como instrumentos de apoio à produção.
A única diferença agora está na forma de interação. A IA generativa introduziu uma interface baseada em linguagem natural. Isso criou a sensação de que o agente artificial participa de maneira mais próxima do trabalho humano. Mas essa percepção não altera sua natureza. Ele continua sendo um sistema programado para operar sob parâmetros definidos. O uso da linguagem não o transforma em sujeito.
Ainda assim, o discurso do “trabalho híbrido” foi amplificado por consultorias e especialistas que enxergaram na novidade uma oportunidade de negócio. Propuseram metodologias para integrar humanos e agentes artificiais em um mesmo desenho organizacional. Chegaram a sugerir que se pensasse nas atribuições formais desses agentes como se fossem cargos ocupados por pessoas. Mas essa ideia carece de fundamento prático sólido.
Definir o que um agente artificial fará em um processo é responsabilidade das áreas de tecnologia, de processos, dos centros de excelência em automação e das áreas de negócio. São essas áreas que detêm o conhecimento técnico necessário para estabelecer o papel e os limites de cada ferramenta.
O RH pode — e deve — atuar no desenvolvimento das pessoas para interagir com essas tecnologias. Pode ajudar na definição de novas competências e na adaptação dos perfis profissionais. Mas seu papel não deve ser estendido a ponto de tratar softwares como integrantes do quadro funcional.
Essa ampliação sem critério compromete a clareza sobre as responsabilidades. Se um agente artificial executa uma tarefa de maneira inadequada, quem responde por isso? O profissional responsável pelo processo? O fornecedor do software? O programador? Misturar os regimes de responsabilidade entre humanos e sistemas enfraquece a governança e torna o ambiente organizacional mais nebuloso.
É evidente que o trabalho mediado por tecnologia exige precisão na definição de papéis. Humanos são responsáveis pelas decisões e pela supervisão. Sistemas são instrumentos de apoio ou de execução parcial. A distinção entre sujeito e ferramenta precisa ser preservada.
Atribuir cargos a robôs não resolve nenhum problema prático. Apenas disfarça a necessidade de compreender, com clareza, como as tecnologias devem ser integradas aos processos sob comando humano.
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