Reflexões sobre a IA e humanos

Reconhecer nossos vieses é essencial para garantir que a IA reflita nossos melhores valores.

Reconhecer nossos vieses é essencial para garantir que a IA reflita nossos melhores valores.

A convite do Open Mind Brazil, participei como panelista do encontro sobre Inteligência Artificial em 7 de junho de 2024. A troca de experiências foi extremamente proveitosa, e compartilho três pontos abordados em resposta às perguntas dos participantes. São questões que exploram a fronteira entre a interação humano-máquina e aspectos essenciais da condição humana:

Vieses Humanos e Suas Implicações na Modelagem ou Uso da IA

Muitos dizem que a IA é enviesada, mas, na verdade, ela reflete os próprios vieses humanos. Imagine pedir a um cartunista para desenhar um homem sem fornecer detalhes adicionais. Ele desenhará conforme suas preferências e percepções, influenciadas por suas experiências e preconceitos, podendo retratar um homem branco, negro, jovem, velho, magro ou gordo. Se pedirmos para desenhar um executivo, provavelmente será retratado com um terno, um estereótipo claro. Embora estereótipos e vieses não sejam exatamente a mesma coisa, eles são interligados e sempre existiram nos seres humanos.

Assim, a IA, treinada com dados históricos fornecidos por humanos, herda esses vieses. Portanto, se quisermos algo específico da IA, precisamos ser explícitos em nossas instruções: “desenhe um homem de 30 anos, com etnia X, vestindo Y e fazendo Z”. Caso contrário, a IA responderá com base nos dados disponíveis, refletindo nossos próprios preconceitos e estereótipos. Por exemplo, se pedirmos uma imagem de “uma mulher tomando café” sem mais detalhes, a IA pode gerar qualquer coisa, como uma mulher sentada à mesa com uma xícara à sua frente. Se quisermos algo mais específico, como “uma mulher de 30 anos, de pé, com o braço levantado segurando a xícara perto da boca”, precisamos dizer isso claramente.

Interessantemente, a IA nos força a ser mais claros e detalhados em nossas comunicações, algo que muitas vezes falta entre os próprios seres humanos. Grande parte dos problemas de comunicação humana surge porque as pessoas não são explícitas e cada um tem seus pressupostos. Quem sabe a IA pode gerar um efeito colateral positivo ao nos treinar a sermos mais explícitos, reduzindo ambiguidades e melhorando a comunicação entre humanos.

Transformações no Mercado de Trabalho Devido à IA

Quando questionado sobre se a IA substituirá empregos, minha resposta foi realista. Não podemos ignorar a busca incansável dos empresários pela eficiência, que significa fazer mais com menos. Se um processo pode ser automatizado pela IA, é provável que isso resulte na demissão de trabalhadores.

Essa busca por eficiência não é nova e não pode ser atribuída exclusivamente à IA. Muito antes dos computadores modernos, a revolução industrial e até invenções como o liquidificador e a lava-louças já eliminaram empregos na cozinha de um restaurante. Esses dispositivos mecânicos substituíram tarefas que antes eram realizadas manualmente, aumentando a produtividade e mudando a dinâmica do trabalho doméstico. A IA é apenas mais um passo nessa direção histórica.

Mas, no final, minha visão é otimista. Sim, a IA substituirá alguns empregos, mas, como em todas as eras de transformação tecnológica, novos empregos serão criados, e a sociedade se ajustará a essas mudanças. O impacto da IA nos empregos deve ser visto como parte de um processo contínuo de evolução tecnológica e adaptação do mercado de trabalho. Com a IA, a chave está em se adaptar e encontrar novas oportunidades que surgem com essas mudanças. Investir em educação e treinamento contínuo será essencial para preparar a força de trabalho para as novas exigências do mercado.

Uso do Tempo Livre Gerado pela IA

Outro ponto interessante discutido foi o uso do tempo livre gerado pela produtividade proporcionada pela IA. Frequentemente reclamamos da falta de tempo para planejar e pensar devido às numerosas tarefas operacionais e administrativas. A ideia de que a IA pode liberar tempo para atividades mais criativas e estratégicas é tentadora, surgindo a oportunidade de dedicar mais tempo ao planejamento e à reflexão estratégica.

No entanto, precisamos ter cuidado com raciocínios simplistas. Tome como exemplo o que aconteceu durante a pandemia: o tempo economizado no deslocamento para o trabalho foi rapidamente preenchido com mais e-mails e reuniões, em vez de ser usado para pensar e planejar. Assim, meu palpite é o seguinte: o que realmente acontecerá com a maioria das pessoas que terão suas tarefas de e-mail, PowerPoint e Excel aliviadas? É provável que muitos se atolhem em mais tarefas, em vez de usar o tempo para o ócio criativo.

Isso demonstra que a questão não está apenas na disponibilidade de tempo, mas também na maneira como o gerimos. A gestão do tempo livre gerado pela IA não está apenas nos domínios das ciências exatas e computacionais, mas também nos campos da psicologia, sociologia e áreas correlatas. A verdadeira mudança depende da nossa capacidade de adaptação e disciplina.

Reflexões Finais

A discussão sobre a inteligência artificial é muito mais do que tecnologia; é uma reflexão sobre a condição humana e nossa própria evolução. Reconhecer e enfrentar nossos vieses é essencial para garantir que a IA reflita nossos melhores valores e intenções. Ser mais explícitos e intencionais é uma grande oportunidade para melhorar nossas comunicações. Adaptar-nos às mudanças no mercado de trabalho nos permitirá não apenas sobreviver, mas prosperar em um cenário em constante evolução. E, por fim, valorizar o tempo livre gerado pela IA para o pensamento criativo é uma oportunidade única de inovar e crescer de maneiras que antes eram inimagináveis.