Desenhe o jogo correto e influencie
No capítulo anterior, vimos que as decisões estratégicas são baseadas nas alternativas disponíveis e nos ganhos associados a cada uma delas. Obviamente, é muito mais fácil visualizar nossas próprias opções e os resultados, mas, para decidir corretamente, é necessário ter uma boa compreensão das alternativas e dos ganhos do adversário. Seguem alguns exemplos para ilustrar a importância de entender os incentivos dos oponentes.
Os bastidores das negociações
Para ser efetivo em decisões estratégicas que envolvem a previsão das reações do concorrente, você precisa entender os reais desejos da outra parte. Um exemplo interessante é dado por Bazerman e Malhotra no livro O gênio da negociação. Ele conta a história de uma empresa americana que queria comprar, de uma pequena empresa europeia, um ingrediente para um novo produto que fabricaria para a indústria farmacêutica. A oferta foi financeiramente alta, mas a empresa europeia a recusou, pois não aceitava a cláusula de acordo de exclusividade. Não importava se o preço ofertado era alto e se o volume de compra seria o da fábrica inteira. “Exclusividade, não”, insistia o dono da pequena empresa. Por outro lado, a empresa americana não queria investir em um produto cujo principal ingrediente pudesse ser facilmente adquirido por concorrentes.
Foram muitas as conversas e rodadas de negociação envolvendo executivos competentes e experientes. Parecia que o impasse seria irreconciliável, e a relação entre as empresas começou a se deteriorar. Um novo negociador foi então enviado à Europa e fez uma simples pergunta: “Por quê? Por que não garantir exclusividade se for comprada toda a produção?”.
Como conta Bazerman, a resposta surpreendeu os americanos: o dono não poderia dar exclusividade porque estaria desrespeitando um acordo feito anteriormente com um primo, que comprava pouquíssima quantidade para um produto local. Não era uma questão econômica, e sim uma questão de lealdade familiar.
Com essa informação, o acordo foi rápido: com exceção daquele volume do primo, todo o resto seria de exclusividade da empresa americana. Isso parece óbvio, mas, durante as negociações, sem entender realmente o que motivava a empresa, nada era tão simples. A empresa americana achava que a empresa europeia simplesmente estava criando dificuldades. Negociações da vida real chegam a impasses por falta do entendimento das reais motivações e do esquema de incentivos.
O dilema da escola infantil
Imagine ser o administrador de uma escola infantil. A política divulgada aos pais diz que as crianças devem ser apanhadas às 16h. No entanto, com frequência, os pais se atrasam. O resultado é que, no final do dia, você precisa lidar com algumas crianças ansiosas e professores forçados a esperar que os pais apareçam, além de pagar horas extras. O que fazer? Essa história é contada por Steven Levitt e Stephen Dubner, no livro Freakonomics, sobre algumas creches em Haifa, Israel.
Para resolver esse problema, uma dupla de economistas sugeriu multar os pais atrasados. Afinal, por que teria a escola de cuidar dessas crianças gratuitamente fora do horário? Fizeram um estudo com duração de 20 semanas, mas a multa não foi introduzida de imediato. Durante as primeiras quatro semanas, os economistas apenas calcularam o número de pais que se atrasavam.
Em média, ocorriam oito atrasos por semana em cada uma das creches. Na quinta semana, a multa foi introduzida, depois de os pais serem avisados de que qualquer atraso superior a dez minutos seria punido com o pagamento de $3 por criança. A multa seria adicionada à mensalidade, que girava em torno de $380. Depois da adoção da multa, o número de atrasos, surpreendentemente, aumentou. Em pouco tempo já somavam 20 por semana, mais que o dobro da média original. O tiro saiu pela culatra.
Você provavelmente já concluiu que a multa de $3 era simplesmente pequena demais. A esse custo, um pai ou uma mãe de um só filho podia se dar ao luxo de se atrasar diariamente, pagando apenas $60 extras todo mês – menos de um sexto da mensalidade básica. Considerando‑se o salário de uma babá extra para buscar os filhos, esse preço era bem barato. E se a multa fosse de $100 em lugar de $3? Certamente teriam fim os atrasos, embora isso também fosse gerar muita má vontade.
Mas a multa envolvia um outro problema mais grave: a escola incluiu um incentivo econômico (os $3) no lugar do antigo incentivo moral, que era a suposta culpa dos pais pelos atrasos. Por apenas alguns dólares diários, os pais podiam se isentar dessa culpa. Além disso, o baixo valor da multa sugeria aos pais que o atraso para buscar as crianças não era algo tão grave assim. Se o problema resultante para a creche do atraso dos pais equivalia a apenas $3, para que se preocupar em interromper outros compromissos ou chatear o chefe por sair correndo de uma reunião?
Esse é um exemplo simples de como incentivos errados geram reações indesejáveis. Como um bom estrategista, você precisa saber exatamente quais ações geram quais reações.
Desenhando o jogo correto
Em uma guerra de preços, por exemplo, algumas empresas têm mais capacidade que outras para reagir, como, por exemplo, abaixar preços ou oferecer produtos alternativos. Outras não podem fazê‑lo por causa de sua estrutura de custos, de um comportamento avesso ao risco ou por outros motivos. Por isso, não basta apenas usar ferramentas matemáticas computacionais para fazer previsões. Também é preciso intuição e conhecimento sobre os executivos das outras empresas para desenhar o jogo com as preferências corretas (deles). É o que chamamos de “desenhar o jogo correto”.
Dois exemplos a seguir mostram como executivos desenharam um jogo correto e um errado, como apresentado no livro The right game: use game theory to shape strategy.
O jogo correto: Companhias Aéreas Kiwi
Quando um novo jogador entra no mercado com um preço mais baixo, a empresa já estabelecida só tem duas respostas eficazes: igualar o seu preço ao do entrante ou se acomodar e ceder‑lhe alguma participação de mercado. A Kiwi International Airlines, fundada por ex‑pilotos da falida Eastern Airlines, era uma iniciante em 1992. Ela tinha vantagem de custo, mas sua marca era pouco conhecida e sua grade de horários era mais limitada do que a das grandes companhias. O que fazer então?
Decidiu‑se por oferecer preços baixos e voos limitados. Por quê? Quando um entrante adota essa estratégia, o lucro dos jogadores depende de como as empresas já estabelecidas vão reagir. Elas podem recuperar a participação de mercado perdida se igualarem seus preços aos do concorrente ou podem dar a ele, digamos, 10% do mercado. Certamente, perder até 10% de participação é normalmente melhor do que sacrificar a margem de lucro. Mas o entrante não pode ser demasiado ganancioso; se ele tentar ganhar muito mais mercado, as atuais empresas vão lutar para recuperar sua parte, mesmo sacrificando um pouco do lucro. Assim, somente quando o entrante limita sua capacidade é que as atuais empresas podem se acomodar; e o entrante pode então ganhar dinheiro.
Isso foi o que aconteceu, e a Kiwi fez dinheiro porque ficou longe das grandes operadoras, que entenderam que ela não representava ameaça. A Kiwi quis capturar no máximo 10% e não mais de quatro voos por dia. Para arquitetar a escolha certa de preço e quantidade de voos, a empresa teve de se colocar na posição das grandes companhias aéreas para assegurar que elas teriam um incentivo maior para se acomodar, e não para lutar. Isso mostra como os executivos da Kiwi compreenderam a competição e desenharam o jogo correto.
O jogo errado: Sweetener Holland Company
O NutraSweet, um adoçante de baixa caloria usado em refrigerantes como Diet Coke e Diet Pepsi, gerou 70% de margem bruta para a Monsanto. Tais lucros costumam atrair outras empresas para o mercado, mas o NutraSweet estava protegido por patente. Com a bênção da Coca‑Cola, uma empresa entrante, a Holland Sweetener Company (HSC), construiu uma fábrica de aspartame na Europa em 1985, antecipando‑se à expiração do prazo da patente do NutraSweet (em 1987 na Europa e em 1992, nos Estados Unidos).
Como a HSC atacou o mercado europeu, a Monsanto reagiu agressivamente. Usou redução de preços e as relações contratuais com seus clientes para impedir o HSC de entrar no mercado. Assim, a HSC ficou ansioso para disputar o mercado nos Estados Unidos.
No entanto, a guerra terminou antes de começar. Pouco antes da expiração da patente na Europa, tanto a Coca‑Cola como a Pepsi assinaram novos contratos de longo prazo com a Monsanto. Parece que a Coca‑Cola e a Pepsi não aproveitaram a oportunidade de haver concorrência entre os fornecedores, mas, na verdade, nem a Coca‑Cola nem a Pepsi tinham o desejo real de mudar para um aspartame genérico. Nenhuma das empresas quis ser a primeira a deixar de ter o logotipo do NutraSweet e criar uma percepção de que o sabor de suas bebidas tinha sido alterado, uma vez que o NutraSweet já tinha construído uma reputação de segurança e gosto agradável.
No final, o que a Coca‑Cola e a Pepsi realmente queriam era ter o velho e bom NutraSweet a um preço melhor. A HSC deveria ter reconhecido que a Coca‑Cola e a Pepsi tinham pagado um alto preço para tornar o mercado de aspartame competitivo. Ela não desenhou o jogo correto; Coca‑Cola e Pepsi, sim. E a Monsanto fez bem em criar uma marca forte e uma vantagem de custo, minimizando os efeitos negativos da entrada de uma marca genérica.
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Continue lendo o poder dos incentivos nos artigos Os incentivos induzem a comportamento e Não é fácil saber o que o concorrente está pensando.