E hoje em dia, como é que se diz eu te amo?
É comum alguém dizer: “Minha vida daria um filme”. Quase sempre, a frase vem com um certo orgulho. Tropeços, recomeços, dramas. Não falta conteúdo. Parece tudo tão cinematográfico que bastaria um bom diretor e uma trilha ao piano para arrancar lágrimas da plateia.
De fato, há algo profundamente humano em se imaginar como protagonista de uma grande história. Somos atraídos por filmes não só pelas tramas, mas porque eles oferecem sentido. Tudo acontece por uma razão. Cada queda leva a uma redenção. No fim, a história se fecha com alguma conclusão — trágica ou redentora, mas sempre coerente. É reconfortante pensar que nossos altos e baixos têm esse tipo de lógica interna.
Esse é o formato clássico da jornada do herói: alguém comum é arrancado da rotina, enfrenta desafios, perde tudo, ressurge transformado e volta ao mundo com uma espécie de sabedoria ou poder. É bonito. Funciona em duas horas. Mas a vida real não cabe nesse molde.
Na verdade, a vida se parece muito mais com uma série de muitas temporadas do que com um filme com roteiro redondo. Uma série que começa sem saber como vai terminar, que muda de tom no meio da trama, que introduz novos personagens sem explicar os anteriores. Às vezes, um arco dramático é interrompido no meio e nunca mais se resolve. O roteiro, quando existe, vive sendo reescrito.
É justamente por isso que a vida vale tanto, pois não está presa a um destino final ou a uma estrutura fechada. Ela se abre, se reinventa, se contradiz. Mesmo assim, há beleza. É nesse espaço que acontecem as melhores coisas: os encontros que não estavam no mapa, os começos que brotam do nada, a paz que chega em silêncio. A vida é cheia de incoerência, mas também de momentos de lucidez e ternura naquilo que parecia não haver mais nada.
Essa é a vida. Uma sucessão de trechos que não seguem um roteiro. Talvez por isso valha mais a pena escolher, entre os trechos da viagem, quais merecem uma parada para tirar a foto. Quais encontros merecem atenção. Quais preocupações merecem ser ignoradas para emitir o sonoro “foda-se”. A viagem é longa demais para ser atrapalhada por bagagem inútil.
O que resta, então, é aceitar. Aceitar que a vida não precisa fazer sentido o tempo todo. Não um arco narrativo de um herói, mas de uma pessoa comum, numa sequência de episódios que se contradizem e se atropelam. Isso é liberdade. É a chance de viver sem precisar entender tudo. De seguir sem exigir coerência. De errar sem culpa. De mudar de ideia. De começar de novo sem precisar justificar.
No fim, a história da sua vida não é a sua vida. É só uma versão, sempre provisória, sempre incompleta. É como uma série que ainda está sendo escrita e cujo episódio final sequer foi filmado. Talvez nem precise ser. Porque o que realmente importa não é o desfecho, é o que você faz com a próxima temporada.
Como cantou Renato Russo: “Viver é foda, morrer é difícil. Vamos fazer um filme. E hoje em dia, como é que se diz, eu te amo?” Talvez a resposta seja um pouco diferente (perdão, Renato): vamos fazer uma série. Aberta. Longa. Imperfeita. Mas, ainda assim — e talvez por isso mesmo — cheia de amor.