A importância da leitura lenta, atenta e contínua

Desfrute a leitura e aprenda mais

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Hoje em dia, na chamada era digital, o acesso à informação tornou-se extremamente fácil, a poucos cliques de distância. Para os jovens desta geração, é quase inimaginável aquele tempo em que pesquisas dependiam de livros físicos. Atualmente, temos uma infinidade de sites repletos de informações e mecanismos de busca, além dos milhões de livros e e-books disponíveis.

Apesar da vasta quantidade de informações e do acesso facilitado, o consumo da informação é precário. Diversos estudos indicam que os hábitos de leitura são cada vez mais superficiais e dispersos.

No livro O Polímata, Peter Burke observa que, embora o conhecimento esteja mais acessível, nem todas as mudanças foram benéficas. As redes sociais desempenham um papel crucial na divulgação de artigos, mas também promovem o fenômeno da “ansiedade da informação“. Na minha timeline, o excesso de conteúdos é tão grande que frequentemente me vejo lendo posts apressadamente. Quando texto é longo, salvo para “ler depois”, mas raramente volto a ele.

Burke destaca essa leitura superficial e rápida, característica do consumo digital, nos ameaça transformar em meros decodificadores de informações. Como ele diz:

“As novas mídias produziram uma abundância excessiva de mensagens. O volume de novas informações e a velocidade com que chegam não permitem seu ‘cozimento‘, ou seja, sua transformação em conhecimento. A turbulência que estamos enfrentando dificulta o discernimento.”

Autores como Mariane Wolf e Nicholas Carr compartilham o receio de que a leitura lenta, atenta e contínua seja perdida, substituída pela leitura superficial e apressada. Houve uma época em que cursos de leitura rápida eram populares entre estudantes acostumados a consumir textos do começo ao fim. Hoje, no entanto, parece mais urgente oferecer cursos de leitura lenta.

Mortimer Adler, em seu livro Como Ler Livros, publicado em 1940, muito antes da era digital, já explorava o processo de aprendizado por meio da leitura e enfatizava a importância de uma abordagem lenta e atenta. Para Adler, todo aprendizado genuíno é ativo, nunca passivo. Mesmo o professor mais competente não pode ensinar nada a alguém que não esteja disposto a se esforçar para aprender. A palavra escrita, seja em livros ou artigos, pode desempenhar o papel de professor tão bem quanto a palavra falada. Adler também ressalta que a arte de ler e a arte de ouvir possuem muitas semelhanças.

Um ponto central de sua obra é a distinção entre dois tipos de leitura: a leitura por prazer e a leitura para aprendizado. A leitura por prazer é algo que todos praticamos. Trata-se de uma leitura despretensiosa, destinada a passar o tempo, distrair ou entreter. O aprendizado, nesse caso, pode até ocorrer, mas de forma acidental. 

Por outro lado, a leitura voltada ao aprendizado é intencional. Quando lemos com o objetivo de aprender algo, Adler é categórico:

“Não quero dar ao aprendizado um estímulo falso, repetindo o que algumas pessoas dizem: “o aprendizado é sempre divertido”. Não é sempre divertido. Às vezes, o aprendizado é um trabalho duro. na verdade, é frequentemente assim. E, na minha própria experiência, o que geralmente acontece é que quanto mais doloroso for o próprio processo de aprendizado, mais o resultado final tende a ser proveitoso”.

No contexto da leitura para aprendizado, Adler identifica duas formas distintas: uma mais fácil e outra mais desafiadora. A forma mais fácil é a leitura para informação, cuja finalidade é adquirir conhecimento factual, como a busca de dados em jornais, revistas ou registros históricos. Nesse nível, a leitura permite que uma pessoa seja considerada alfabetizada no sentido básico, ou seja, capaz de obter informações em publicações acessíveis. Este, no entanto, é apenas o padrão mínimo de alfabetização, representando o que geralmente se espera de uma “população alfabetizada”: pessoas aptas a consumir informações em textos simples como jornais ou revistas.

Adler define o segundo tipo de leitura, mais desafiador e recompensador, como a “leitura para iluminação“. Nesse caso, o objetivo não é apenas conhecer fatos, mas compreender ideias e ampliar a capacidade de entendimento. Esse tipo de leitura envolve enfrentar textos que estão ligeiramente além de suas habilidades atuais. Quando um livro ultrapassa seu nível de compreensão inicial, ele oferece a oportunidade de elevar-se de um estado de menor entendimento para um nível mais avançado. No entanto, isso não ocorre automaticamente. Não basta folhear ou observar o livro; é necessário esforço ativo e dedicação, pois o aprendizado exige uma leitura engajada, e não passiva. Ele diz:

O que eu quero dizer com leitura ativa? Simplesmente isto: que você se mantenha acordado enquanto lê. E quando eu digo acorda- do, eu não quero dizer simplesmente para manter seus olhos abertos enquanto sua mente vai dormir. Como você se mantém acorda- do enquanto lê? Fazendo perguntas, questionando a si mesmo sobre o livro e fazendo perguntas ao livro para o autor responder. A diferença entre a leitura passiva e a ativa é inconfundível. Os sinais jamais nos deixariam confundir: quando você lê ativamente, você realmente se cansa. Há um trabalho envolvido. Quando há um esforço, em vez de diversão, você se cansa. Contudo, se você lê um livro por uma hora ou duas e não se cansa, então você não está lendo ativamente neste sentido. E há outros sinais de leitura ativa: lápis e papéis, anotações, marcações, sublinhar passagens nas páginas. Este é meu melhor teste para saber se você está lendo ativamente ou não”.

Essa reflexão nos permite contrastar a leitura superficial e rápida, predominante no ambiente digital, com a leitura voltada ao aprendizado e à iluminação, que exige mais tempo e esforço. Ao buscar o equilíbrio entre esses dois mundos, podemos aproveitar o melhor da era digital — com seu acesso ilimitado à informação — e o valor duradouro da leitura reflexiva e aprofundada. 

REFERÊNCIAS
1. BURKE, P. O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag. Editora Unesp. 2020.
2. ADLER, M. Como ler livros. Editora É Realizações. 2010.
3. ADLER, M. Como pensar sobre as grandes ideias. Editora É Realizações. 2013.
4. CARR, N. A geração superficial: o que a internet está fazendo como nossos cérebros. Editora Agir. 2019.
5. WOLF, M. Proust and the Squid: The story and science of the reading brain. Harper Perennial. 2008.