Por que a Geração Z prefere a mentoria do ChatGPT à do chefe?

O ChatGPT é a nova “mãe de pelúcia” para "estruturar o tempo" dos jovens

O ChatGPT é a nova “mãe de pelúcia” para “estruturar o tempo” dos jovens

Uma pesquisa recente revelou um dado intrigante: cerca de 47% dos profissionais da Geração Z afirmam receber melhores conselhos profissionais do ChatGPT do que de seus próprios chefes. O estudo envolvendo 1.600 profissionais nos EUA revelou essa marcante preferência pela orientação automatizada, em detrimento das convencionais interações humanas no ambiente de trabalho.

Este fato não surpreende se refletirmos sobre a natureza intrinsecamente humana, ou melhor, animal. Considerando que “Meu chefe humano não me oferece bons conselhos, então recorro ao ChatGPT“, duas analogias me vêm à mente.

Analogia 1 – A teoria das carícias

A Análise Transacional, uma abordagem psicoterapêutica que explora as interações sociais (ou “transações”) entre indivíduos, introduz o conceito de “carícias” psicológicas como qualquer forma de reconhecimento ou atenção recebida de outra pessoa. Essas carícias são essenciais para a saúde emocional e psicológica, uma vez que todos os seres humanos têm uma necessidade básica de reconhecimento. Essa necessidade pode ser atendida tanto por carícias positivas (elogios, atenção amorosa, reconhecimento de habilidades) quanto negativas (críticas ou rejeição), pois até a atenção negativa é preferível à indiferença total.

Seu idealizador, Eric Berne, também abordou as “estruturas de tempo”, maneiras pelas quais as pessoas organizam seu tempo para obter carícias, incluindo atividades, rituais, passatempos, jogos psicológicos e intimidade. Cada uma dessas estruturas oferece um meio de satisfazer a “fome de carícias” em diferentes graus de autenticidade e vulnerabilidade.

Para a Geração Z, interagir com o ChatGPT e outras tecnologias pode ser visto como uma forma moderna de estruturação do tempo, em que a tecnologia atua como meio para suprir a necessidade de reconhecimento e atenção. Esta interação digital oferece não apenas informação, mas também a sensação de ser ouvido e reconhecido, embora de forma distinta da interação humana direta.

Analogia 2 – Os macacos de pelúcia e de arame de Harlow

Na década de 1950, o psicólogo Harry Harlow conduziu experimentos com macacos-rhesus para estudar os laços de apego entre mães e filhos. Ele separou filhotes de suas mães biológicas e ofereceu-lhes duas “mães” substitutas: uma de arame e outra coberta de tecido macio. A “mãe” de arame dispunha de um mecanismo para fornecer leite, enquanto a de tecido não oferecia alimento.

Os resultados mostraram que os filhotes dedicavam mais tempo à “mãe” de tecido, buscando conforto e segurança, mesmo sem receber alimento dela. Aproximavam-se da “mãe” de arame apenas para se alimentar, retornando rapidamente ao conforto da “mãe” de tecido após a alimentação. Este estudo demonstrou a importância do contato físico e do conforto emocional no desenvolvimento de laços afetivos, questionando teorias da época que priorizavam a alimentação como principal fator de vínculo entre mães e filhos.

Assim, quando os gestores falham em oferecer a atenção e o suporte necessários, é natural que os colaboradores busquem alternativas. Assim como os macacos de Harlow encontraram conforto na “mãe” de pelúcia, os profissionais da Geração Z veem no ChatGPT uma fonte alternativa de orientação e apoio. Esse fenômeno indica uma transformação na dinâmica do local de trabalho, destacando a importância do suporte emocional e profissional no desenvolvimento de carreira.

Moral da história

Devemos reconhecer a superioridade da IA em um aspecto técnico: graças à sua vasta base de dados e capacidade de processamento, a inteligência artificial pode oferecer um leque de informações muito mais amplo do que qualquer gestor humano conseguiria acumular em sua carreira. Assim, do ponto de vista da Geração Z, além da questão da atenção que o gestor não proporciona, o conteúdo apresentado pelo ChatGPT é percebido como mais rico e diversificado, aumentando ainda mais seu apelo como ferramenta de desenvolvimento profissional.

Contudo, apesar da capacidade do ChatGPT de acessar e sintetizar informações de forma superior à humana, seus conselhos tendem a ser mecânicos, genéricos e demasiadamente enciclopédicos. Falta a nuance e a compreensão contextual profunda que só a experiência humana direta e a empatia podem oferecer.

Desde que pratiquem os gestores, com seu conhecimento específico do contexto organizacional e das equipes, são capazes de fornecer orientações mais personalizadas e adaptadas às necessidades individuais dos colaboradores, algo que uma inteligência artificial, por mais avançada que seja, ainda não consegue replicar plenamente.

Mesmo que ofereçam conselhos imperfeitos em termos de conteúdo, um chefe genuinamente interessado e conectado pode ter um impacto muito mais positivo no aprendizado e na assimilação dos colaboradores. A importância da carga emocional que acompanha a orientação de alguém que demonstra preocupação real e investimento pessoal no desenvolvimento de um colaborador é inestimável.

Afinal, a quem se destina esta mensagem?

Seria tentador afirmar que a Geração Z é maluca e excessivamente dependente da tecnologia. Calma. Revisitemos o discutido: o ser humano (ou animal) organiza seu tempo em busca de carícias psicológicas como forma de reconhecimento e prefere o conforto emocional da “mãe de pelúcia” às necessidades primárias como alimentação. Ou seja: o ChatGPT é a nova “mãe de pelúcia” para “estruturar o tempo” dos jovens em busca de “carícias” psicológicas.

É muito provável que a Geração Z recorra ao ChatGPT como “mentor” porque seus líderes não cumprem seu papel de proximidade e proteção. Essa juventude até pode ser viciada em tecnologia, mas ainda compartilham o DNA do homo sapiens: ninguém resiste a um bom gestor.


Link da pesquisa: https://forbes.com.br/carreira/2024/02/geracao-z-prefere-mentoria-com-o-chatgpt-do-que-com-o-chefe/